terça-feira, 28 de junho de 2011

Ler ou não ler, eis a questão!

Manhã com um tico de sol, lá vinha eu da hidroginástica, com uma amiga! Ao fazer o gesto de atravessar minha rua, na esquina estava um homem com uma vassoura na mão, acabava de limpar a calçada do edifício e conversava com outro homem, mostrando um letreiro:

- .... não sinhô, não consigo ler, não! Veja aquela palavra ali! Conheço o P, conheço o E, conheço o R.... ..... mas não leio, não leio de jeito nenhum. Fico olhando e querendo entender.....

Vi a cena, algo surreal. Ele de camisa rota, o outro bem ensacado, nós soltinhas na rua. Paramos.

E ele agora sentia mais gente pra ouvir. Estava engasgado, porque todos os dias via palavras nas suas ventas, e nada entendia.

Tinha ido a escola, conhecia as letras, mas de nada adiantava. Podia até votar, sinsinhô, mas ler não conseguia!

A palavra era grande, uma placa no prédio, placa de empresa de segurança (!) e o nome era PERIMETRO.

Então, não resisti e me pus a brincar com a palavra junto com ele. Perguntei se conseguia ver o final da palavra. Ele soletrou o METRO.

- E metro o que significa, o que lhe diz?

Ele brilhava os olhos na esperança.

Continuei...”metro” pra que serve?

E ele:

- Metro sinsinhora, serve pra medir.

- Pois então...é medida... medir, tomar as medidas, sabe ?

- Isso eu sei sinsinhora”!

Com jeito de duas velhas irmãs, ficamos ao lado dele. Vamos ver o resto da palavra:

Vasculhamos o PERI... e nos pusemos a fazer círculos no chão: isto é “em redor”. E traçamos linhas imaginárias, falamos do pneu dos carros, da bicicleta...

Ele mais olho brilhava, mais espantado ficava.

MEDIDA EM REDOR....

Eita palavra fácil para um brasileiro comum, de vassoura na mão. Uma matemática de fazer doidos.

Ele ficou muito agradecido, sacudindo a vassoura em sinal de felicidade.

Então, apontou outras palavras das lojas do prédio,

palavras em pedaços de inglês de esquina, pra atrapalhar os mais nobres trabalhadores brasileiros, de vassoura na mão, balbuciando sílabas sem sentido, num verdadeiro festival expondo a des-educação vivenciada nos bancos da escola!

Fomos saindo, sem antes desejar bom dia e que ele não se agoniasse, porque tinha muita palavra estrangeira nas placas.

Perguntinha para prefeitos, governadores, secretários, ministros, vereadores, deputados e senadores:

- São estes os alfabetizados que constam nas suas planilhas de governo?

Tamos mal! Vamos chamar Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro de volta?


terça-feira, 7 de junho de 2011

Um exemplo de Vida


Conheci Mãe Grossa, batizada Maria Porfíria, há 8 anos. Anciã Potiguara da Aldeia Forte, estava sempre com um leve sorriso nos lábios, os olhinhos atentos, os braços prontos para um abraço, uma bênção aos netos, bisnetos, tetranetos, sobrinhos de todas as idades. Crianças entravam e saíam de sua casa simples e alegre. Quando se dançava na oca, o simples toque do bombo a fazia vibrar. Cantava leves canções, balbuciava rezas, dedilhava o terço enquanto o olhar parecia vislumbrar um paraíso presente, futuro ou passado. Jamais dizia palavra grosseira, ou expressava reclamações. Satisfeita de viver, Mãe Grossa partiu esta semana para outro plano de vida. No dia 6 de junho, amanheceu de olhos fechados, rosto sereno. A aldeia se mexeu por inteiro. Aliás, as aldeias se mexeram, toda Baía da Traição se moveu para se despedir daquela que lhes deu um exemplo de sabedoria e tolerãncia. Quando me chegou a notícia, arrumei minha mochila costumeira e segui o caminho pra aldeia. O ritual de despedida durou 24 horas: entre rezas, leituras, gestos, visitas silenciosas, canções em ritmo de toré, com maracas, bombo e pífano, . Parentes chegaram de longe e de perto. Enquanto um grupo de mulheres sobrinhas, netas cuidavam da cozinha e davam assistencia a Manuela, que a assistiu por muitos anos. As filhas Nanci e Chiquinha pareciam desoladas, enquanto sabiam no fundo que a mãe estará presente para sempre. O discurso de D. Nanci, ao se despedir, foi taxativo: uma mãe perfeita, uma amiga perfeita, uma mulher sem defeito, paciente, consciente, fraterna, amorosa. A imensa geração que deixa, nos seus bem vividos 101 anos, terá a missão de dar continuidade a tantos admiráveis atributos de Maria Porfiria Santana Cassiano.